*Por Ivo Dall’Acqua Júnior
O parcelamento sem juros se consolidou como uma poderosa ferramenta de venda no varejo brasileiro. A modalidade, na qual os consumidores dividem o valor integral das compras sem custos adicionais, se tornou também uma estratégia competitiva para muitos segmentos.
Esse já é um primeiro motivo pelo qual a extinção ou a adoção de medidas que dificultem o acesso a ela seria significativamente prejudicial à economia do País. Mas não é só isso. A alegação de alguns bancos de que o parcelamento sem juros impulsiona as elevadas taxas do crédito rotativo também não corresponde à realidade: hoje, ele é uma operação restrita à relação entre lojistas e consumidores, suportada por um acordo entre os estabelecimentos e os agentes de crédito, sejam administradoras de cartão, sejam bancos, sejam instituições financeiras. Isto é, não há impacto sobre as cobranças do rotativo. Na prática, a medida apenas diminuiria as opções de negociação disponíveis no varejo.
Além disso, limitar ou eliminar a modalidade levaria inevitavelmente a um aumento na inadimplência, assim como a um direcionamento forçado para que bancos ofertem linhas de crédito mais custosas aos clientes.
Tão grave quanto é notar que o debate em torno do assunto confunde conceitos, misturando o que é crédito rotativo e o que é parcelamento sem juros. Caso não sejam consideradas em propostas e discussões, isso trará mais dilemas para a nossa economia, porque enquanto o rotativo impõe taxas exorbitantes aos consumidores, chegando ao patamar de 437,3% ao ano (a.a.) para quem não pagar a totalidade da fatura, o parcelamento sem juros estabelece um acordo entre consumidores, lojistas e emissores. Neste último, os varejistas absorvem os custos do benefício (com taxas que podem chegar a mais de 190% a.a.). Assim, para eles, há dois caminhos: ou incorporar esses valores ao preço final ou assumi-los integralmente como estratégia de conversão de vendas.
Na verdade, o parcelamento sem juros é uma ferramenta importante para os lojistas, na medida em que garante liquidez nas transações do varejo que necessitam de capital de giro, visto que os valores se tornam recebíveis antecipados, muitas vezes com taxas mais favoráveis do que as operações bancárias tradicionais — ou até mesmo usados como garantia em operações de crédito.
Se a raiz do problema está nas altas taxas do rotativo, que aumentam o risco de inadimplência sistêmica pela própria característica, a solução não deveria ser acabar com o parcelamento sem juros, que, ao contrário, impulsiona o consumo e o torna mais acessível às populações vulneráveis, além de promover a inclusão financeira de milhões de brasileiros. Vale lembrar que, em 2022, 50% das vendas no cartão de crédito foram parceladas, segundo dados do Banco Central (Bacen).
A solução, então, pode estar em racionalizar os juros do rotativo, incentivando, assim, uma maior competição no mercado. Definir um teto para essa taxa, similar ao que já foi estipulado para o dispositivo do cheque especial, em 2020, e incentivar a portabilidade de dívidas e a adesão ao sistema Open Finance são alternativas mais viáveis do que apenas encerrar o parcelamento.
Tudo isso tem como base o fomento ao desenvolvimento econômico, ao adotar medidas que estimulem o ambiente de negócios, em vez de o limitarem. É crucial reduzir juros, especialmente em modalidades preocupantes como o crédito rotativo, dada a proporção de consumidores que, mensalmente, não conseguem quitar as dívidas a tempo. Intervenções indevidas, ao contrário, tendem a piorar a situação — caso, agora, do parcelamento sem juros. É sempre bom ter cuidado com o remédio prescrito.
*Ivo Dall’Acqua Júnior é vice-presidente da FecomercioSP.
Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo em 19 de agosto de 2023.