Artigo do copresidente do Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP, Antonio Lanzana, analisa cenários atuais e as expectativas para o comércio em 2024
É impossível dissociar a análise do setor comercial do desempenho recente da economia em geral. Mais do que isso, olhando para 2023, é muito difícil fugir da constatação de que o desempenho econômico nacional ficou acima do projetado por quase todos os analistas no começo do ano passado. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), cuja expectativa era de 1%, em média, possivelmente rondará os 3%. Esse cenário mais positivo guarda informações do que garante esse desempenho mais favorável, mas também revela as fragilidades que impedem a manutenção desse ritmo de crescimento de forma sustentável no longo prazo.
Em linhas gerais, vê-se que o bom ritmo da economia no ano passado foi amparado pela agricultura (como em vários outros momentos) e, também, pela inércia da expansão do setor de Serviços pós-pandemia, em especial no primeiro semestre de 2023. Pelo lado da demanda, obtivemos bons números na balança comercial e no consumo das famílias — este último bastante sustentado por um mercado de trabalho mais resiliente que o esperado e por políticas (um pouco infladas) de transferência de renda. Mais do que isso, essa situação dificilmente se repetirá, tendo sido algo conjuntural, e não estrutural, que permitiu o crescimento de 3% do PIB.
Apesar desse crescimento mais forte do que o previsto em 2023, por que o comércio não surfou essa onda positiva? A resposta é simples: ao analisarmos o desempenho acumulado nos primeiros nove meses do PIB em 2023, perceberemos que a Agropecuária avançou 18,1%, enquanto os Serviços, detentores de quase 60% dos valores correntes, cresceram muito menos: 2,6%. Ao abrirmos o desempenho do setor, também constataremos que o PIB marcou crescimento ainda menor: apenas 0,9%, entre janeiro e setembro de 2023 (contra o mesmo período do ano anterior), e desacelerando — saímos de um crescimento de 1,5%, no primeiro trimestre, para um avanço de 0,7%, no terceiro. Isto é, o Comércio não apenas cresce menos que outros setores, como também mostrou enfraquecimento no decorrer dos últimos 12 meses.
IMPACTOS SENTIDOS PELO COMÉRCIO
O setor comercial sofreu com juros ainda elevados, consumidores endividados e inadimplência, bem como com o próprio direcionamento de renda das famílias aos Serviços. Esses lares, que têm renda limitada, precisam escolher alguns bens e serviços em detrimento de outros: ou compram viagens, frequentam restaurantes e consomem lazer, ou compram eletrodomésticos, móveis e decorações. As escolhas recaíram mais sobre serviços do que produtos. Tal cenário não apenas comprometeu o resultado do setor — que, em média, praticamente “andou de lado” em 2023 —, como promoveu relevantes diferenças de desempenho entre os seus segmentos.
Nos últimos 12 meses,
o setor comercial sofreu
com juros ainda elevados,
consumidores endividados
e inadimplência, além
do direcionamento
de renda das famílias
aos Serviços
A Pesquisa Mensal do Comércio (PMC-IBGE) mais recente de novembro de 2023 mostra que o volume de vendas do comércio acumulou, nos 11 primeiros meses do ano, crescimentos de 2,6%, no Brasil, e 3,3%, no Estado de São Paulo. Particularmente na economia paulista, esse avanço geral resultou de segmentos que evoluíram muito por uma base fraca de comparação com 2022, como móveis e eletrodomésticos (7,1%) e veículos, motocicletas e peças (10,9%), além de atividades que sofreram significativa retração de vendas, como as de vestuário e calçados (-4,9%), artigos de usos pessoal e doméstico (-11,4%) e materiais de construção (-3,3%).
DESEMPENHO EM 2023
ATÉ NOVEMBROCombustíveis e lubrificantes
3,4%Hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo
2,7%Móveis e eletrodomésticos
7,1%Veículos, motocicletas e peças
10,9%Vestuário e calçados
-4,9%Artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos
1,6%Livros, jornais, revistas e papelaria
5,4%Equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação
-3,3%Artigos de usos pessoal e doméstico
-11,4%Materiais de construção
-3,3%Atacado especializado em produtos alimentícios, bebidas e fumo
8%Fonte: Pesquisa Mensal do Comércio (PMC-IBGE) de novembro de 2023
Em suma, ao examinar o passado, o que se vê é pouca evolução geral do Comércio e desempenhos muito assimétricos entre os segmentos. Vale ressaltar que ainda nos faltam informações de dezembro, mês mais importante para o setor, que podem puxar o resultado um pouco mais para baixo, em média, como indica a desaceleração recente vista nos resultados do segundo se mestre. Além disso, cabe ressaltar que o resultado do volume de vendas (ou do faturamento) desse setor não explica o resultado que interessa ao empresário: a lucratividade do negócio. O que se viu ao longo do ano passado foram margens de vendas apertadíssimas, endividamento elevado dos estabelecimentos e, até mesmo, convivência com prejuízos operacionais.
Muitas vezes, o empresário sacrifica as margens de lucro e os resultados para apenas vender mais na intenção de se recuperar no futuro. Tudo isso nos ajuda a entender, durante o fim ano passado, a perda de confiança dessas pessoas, fato captado, inclusive, pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), ainda que as vendas, em termos monetários, possam ter sido ligeiramente maiores em alguns setores.
2024: O QUE TEMOS PELA FRENTE?
É esse panorama heterogêneo, entre segmentos e regiões, que nos traz a 2024. Infelizmente, não se vê possibilidade de reversão desse quadro no curto prazo. Mais do que isso, é agora que as vendas do Comércio disputam o bolso do consumidor com compromissos adquiridos no fim do ano, com o pagamento de tributos sazonais (IPVA, IPTU etc.) e despesas escolares. Também não há datas especiais que impactem mais fortemente o setor de forma geral. Para além de tudo, a conjuntura macro não se apresenta muito favorável: juros, embora declinantes, ainda eleva dos; inadimplência familiar preocupante; e dificuldade de manter e ampliar políticas públicas de transferência de renda dão o tom deste começo de ano, que será ainda mais desafiador do que o anterior — inclusive para toda a economia brasileira.
Ainda que seja difícil prever, com grande precisão, tendências econômicas no País, é seguro dizer que o Comércio em geral continuará andando de lado, com algum desempenho mais consistente apenas em segmentos de bens de consumo não adiável. O mercado de trabalho ainda estará em expansão, porém mais lento, ao passo que a inflação deve cair um pouco, e, enfim, haverá algum impacto positivo da queda recente dos juros básicos da economia. Todavia, 2024 se inicia diante da cautela que a realidade nos impõe e da expectativa de que melhores performances possam ser vivenciadas no decorrer dos próximos meses. Esperamos também que estejamos errados nas nossas (muito modestas) projeções.
Antonio Lanzana é copresidente do Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio-SP
Fonte: FecomercioSP