A Resolução CFM nº 2336/2023, emitida pelo Conselho Federal de Medicina, não atinge o mercado óptico nem se sobrepõe à legislação vigente. Ao permitir que médicos oftalmologistas sejam sócios ou investidores em ópticas, levanta importantes questões éticas e concorrenciais que afetam o setor óptico. Embora a resolução esteja embasada em princípios de livre concorrência e liberdade econômica, há preocupações significativas sobre a transparência, a concorrência desleal e a preservação da integridade na relação médico-paciente. Este parecer se posiciona contrariamente à permissão para que médicos sejam sócios de ópticas, devido aos impactos negativos que essa prática pode trazer para o mercado óptico e para a proteção do consumidor.

Impactos éticos e concorrenciais

A Resolução CFM nº 2336/2023, apesar de destacar a separação entre as atividades médicas e empresariais, não elimina os riscos de conflito de interesse. Médicos que possuem ópticas podem influenciar, direta ou indiretamente, a decisão dos pacientes sobre onde adquirir produtos prescritos, como óculos ou lentes de contato, o que pode resultar em concorrência desleal com ópticas independentes e comprometer a autonomia do consumidor.

Mesmo que o médico não atue diretamente no estabelecimento, a mera associação societária entre médicos e ópticas gera uma influência implícita nas decisões dos pacientes, o que é vedado pelo Código de Ética Médica, que proíbe a interação entre médicos e empresas que comercializam produtos de prescrição médica.

Aspectos legais e normativos

  • Decreto nº 24.492/1934, Art. 12: O decreto proíbe que médicos oftalmologistas possuam ou sejam sócios de estabelecimentos que comercializem lentes de grau na localidade em que exercem a clínica. A interpretação tradicional desta norma restringe a atuação empresarial de médicos na área óptica justamente para evitar conflitos de interesse e garantir a imparcialidade nas prescrições.
  • Código de Ética Médica, Art. 68: Proíbe a interação entre médicos e estabelecimentos comerciais, incluindo ópticas. Essa interação pode comprometer a independência do profissional e criar um cenário de mercantilização da medicina, onde o foco deixa de ser a saúde do paciente e passa a ser o ganho econômico.

A Resolução CFM nº 2336/2023 flexibiliza a interpretação desse decreto ao permitir que médicos invistam em ópticas, desde que não haja inter-relação direta com a sua prática médica. No entanto, essa flexibilização abre espaço para que haja uma associação ambígua entre as atividades médicas e comerciais, o que contraria a essência das normas de proteção ao consumidor e de ética profissional.

Concorrência desleal

Permitir que médicos oftalmologistas atuem no mercado de ópticas cria uma concorrência desleal para o setor, já que eles detêm uma posição de autoridade e confiança com os pacientes. Essa vantagem pode ser explorada para direcionar os pacientes a adquirirem produtos em suas ópticas, reduzindo a competitividade e prejudicando ópticas independentes que não possuem a mesma influência direta sobre os consumidores.

Há precedentes jurisprudenciais que reforçam a separação entre a prática médica e atividades empresariais. Em julgados relacionados ao setor farmacêutico, por exemplo, tribunais têm mantido a proibição de médicos serem sócios ou terem vínculos com farmácias, justamente para preservar a imparcialidade nas prescrições e evitar práticas abusivas de vendas casadas e direcionamento de pacientes.

Proteção ao consumidor

A Resolução também falha em garantir que os consumidores não serão afetados por práticas de vendas casadas ou de concessão de vantagens que favoreçam determinadas ópticas em detrimento de outras. Mesmo com as vedações previstas na resolução, há espaço para abusos, que podem comprometer a escolha livre do consumidor e desvirtuar o mercado óptico legal.

Considerações

Os Sindiopticas do Brasil se posicionam contrariamente à permissão para que médicos oftalmologistas possuam ópticas. Essa prática apresenta graves riscos éticos, incentiva a concorrência desleal e ameaça a transparência e imparcialidade que devem prevalecer nas prescrições médicas. A defesa de uma separação clara entre as atividades médicas e empresariais é essencial para garantir a saúde do mercado óptico e a proteção dos direitos do consumidor. É necessário que as normas de ética médica sejam rigorosamente seguidas, preservando o papel dos médicos como profissionais dedicados exclusivamente à saúde dos pacientes, sem interesses comerciais que possam comprometer essa missão.

 

Brasília, 24 de outubro de 2024.

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